Gazeta do Povo - 19-07-2013http://www.gazetadopovo.com.br/opiniao/conteudo.phtml?tl=1&id=1392107&tit=Legal-mas-imoral Legal, mas imoral Para
quem ainda não havia entendido, a escolha do novo conselheiro do
Tribunal de Contas do Paraná, em votação secreta, na Assembleia
Legislativa do Paraná, aponta na direção do principal motivo pelo qual
tantos brasileiros saíram às ruas no mês de junho: a profunda crise de
representação que estamos vivendo em nosso país, marcada pelo
distanciamento entre representantes e representados, a população e os
poderes constituídos, insensíveis ao que o povo realmente precisa e
poderia efetivamente ter. É uma crise sistêmica, passível de solução
apenas por reformas estruturais, as que têm sido debatidas nos últimos
anos, a começar pela político-eleitoral, focada no momento como a “mãe
das reformas”.
O governo federal e o Congresso Nacional até parecem ter entendido a
mensagem das ruas, tanto que buscam desesperadamente uma fórmula capaz
de dar uma resposta rápida aos protestos, sugerindo uma constituinte, um
plebiscito ou um referendo, entre as principais alternativas propostas
para rearranjar justamente a base desse sistema precocemente envelhecido
– nossa democracia é relativamente jovem –, caracterizado por certo
alheamento das instituições à realidade dos brasileiros e lentidão em
concretizar os nossos sonhos.
Na expectativa de novidades, fiz questão de acompanhar de perto o
processo de escolha do novo conselheiro do TCE-PR, assistindo inclusive a
algumas sabatinas a candidatos, prestigiando em particular aqueles com
formação técnica adequada para a função. Havia pelo menos 12 experientes
profissionais da contabilidade. Mas confesso: quando esperava que a
forma viciada, arcaica e vergonhosa de indicação ao cargo fosse já
sepultada, fiquei decepcionada.
O ritual seguiu à risca o script: quem quis pôde se inscrever, desde
que brasileiro, com idade entre 35 e 65 anos, reputação ilibada,
notórios conhecimentos jurídicos, contábeis ou de administração pública e
dez anos em função ou profissão relacionada a essas áreas. Como
determina o regimento, foi criada uma comissão especial para interrogar
os 40 candidatos habilitados, e a todos foi dada a oportunidade de expor
suas ideias ao plenário da casa. Com exceção dos dois parlamentares
inscritos, os demais teriam aceito participar da disputa se soubessem
que não seriam levados a sério, que estariam perdendo tempo, fazendo
papel de meros figurantes?
Antecipando os novos tempos, os deputados paranaenses já poderiam ter
demonstrado alguma sintonia com os acontecimentos recentes. Além de
votação aberta, poderiam ter levado em conta a formação, o conhecimento e
o currículo dos candidatos, pensando na função que vão exercer –
eminentemente técnica.
Mais uma vez, pesou na balança o critério político. Mas, assim como
nos tribunais de justiça a exigência básica para um juiz, desembargador
ou simples assessor é a formação em Direito, conselheiros dos tribunais
de contas deveriam, como pré-requisito, ser graduados em Ciências
Contábeis, o único curso que prepara pessoas para entender de
informações financeiras e patrimoniais, capacitando-as a avaliar com
competência a gestão dos órgãos públicos, como manda a Lei de
Responsabilidade Fiscal e as recentes Normas Brasileiras de
Contabilidade Pública.
Infelizmente, esse jogo de cartas marcadas, que esperamos tenha os
dias contados, tem ocorrido em todos os tribunais de contas do país.
Vitalício, o disputado cargo tem sido um prêmio para políticos de
carreira.
Embora escandalosamente imoral, o sistema de escolha de conselheiros
para os TCs é legal, é verdade: está previsto na Constituição. É um dos
pontos da Carta que em breve haveremos de alterar. A seleção poderia ser
por concurso público, ou indicação, sim, mas por meio de lista tríplice
proposta talvez por órgãos de classe. Enfim, existem alternativas
melhores do que a vigente.
Lucélia Lecheta é presidente do Conselho Regional de Contabilidade do Paraná (CRCPR). |