Promotor entra com ação inédita de danos morais contra casal que devolveu menina adotada à Justiça  Crianças aguardando adoção: para psicólogos, devolução cria segundo trauma Uma iniciativa inédita do promotor de Justiça do Ministério Público de Minas Gerais Epaminondas Costa, em um caso de adoção, está causando polêmica. Costa ajuizou, no início desta semana, uma ação civil pública pedindo a reparação de danos morais causados a uma menina de 8 anos adotada e devolvida à Justiça, durante o período de guarda provisória, sem a apresentação de uma justificativa por parte do casal. Juristas ouvidos pela reportagem dizem que, embora a devolução cause traumas psicológicos à criança, o período de guarda provisória não causa responsabilização jurídica. Na ação, o promotor solicita à Justiça o deferimento de liminar concedendo o pagamento de pensão até que a criança complete 24 anos, além de uma indenização de 100 salários mínimos, com o objetivo de atenuar os efeitos do abandono e arcar com os custos de um tratamento psicológico. O caso ocorreu em Uberlândia, no Triângulo Mineiro – o casal não teve a identidade revelada. De acordo com o Ministério Público, no dia 31 de janeiro de 2008, os réus protocolaram o pedido de adoção alegando já conhecerem a criança e terem convivido com ela por um período de seis meses, em encontros semanais na condição de “padrinhos afetivos”. No dia 1º de fevereiro de 2008, a guarda provisória foi dada pela Justiça. Oito meses depois, na audiência realizada no dia 29 de setembro de 2008, o casal decidiu “devolver” a criança, sem apresentar qualquer justificativa, segundo o Ministério Público. Nesta semana, Costa ajuizou a ação alegando que a devolução acarretou sofrimento emocional evidente à criança em relação ao retorno ao abrigo e até mesmo confusão em relação à identidade dela, já que a menina refere-se a si própria ora pelo seu nome legal, ora pelo nome dado pelo casal adotivo, a quem chama de “pai” e “mãe”. Juristas dizem, porém, que o casal não pode ser responsabilizado por tal devolução, já que ocorreu no período de guarda provisória, considerada um estágio probatório para a adoção definitiva. Para o diretor do Instituto Brasileiro de Direito de Família (Ibdfam) e juiz da 1ª Vara de Família de Belo Horizonte, Nilton Teixeira Carvalho, o casal está em “exercício regular do direito”. “A adoção não estava concretizada, portanto, não há esse vínculo jurídico para responsabilização”, opina. O vice-presidente da Associação dos Magistrados Brasileiros, juiz da Vara da Infância e Juventude de Florianópolis e um dos coordenadores do Cadastro Nacional de Adoção, Francisco de Oliveira Neto, tem uma opinião semelhante. “A situação de devolução é das mais terríveis. Porém, ocorreu durante a guarda provisória, ou seja, no estágio de convivência. Caso a adoção tivesse sido concretizada, não tenho dúvidas de que a responsabilização deveria acontecer”, diz. De acordo com ele, ainda, a ação do promotor pode trazer consequências prejudicais. “É interessante essa ação do promotor mineiro para chamar atenção ao tema e levantar o debate, mas acho que pode trazer um efeito contrário, inibindo as pessoas a buscar a adoção tardia (crianças maiores) e de procurar o Judiciário para adotar”, opina. Costa rebateu ontem as críticas e, inclusive, anunciou que ajuizou uma outra ação no mesmo sentido, no caso de um adolescente de 15 anos, que foi devolvido pela família adotiva, depois de anos de convivência. “Nós levantamos a questão e o Tribunal vai pronunciar se é cabível ou não juridicamente essa reparação por danos morais”, afirma. O promotor diz que baseou as duas ações em um estudo. “Pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, o guardião, independente de guarda provisória ou não, tem de dar proteção material e psicológica para a criança. O estágio de convivência foi criado em benefício da criança e não do casal”, argumenta. Costa alerta, porém, que este posicionamento tomado não deve servir de regra para todos casos de devolução. “Cada caso é um caso, mas há casos gritantes de devolução sem motivo plausível, que devem ser responsabilizados”, opina. Abandonada novamente A devolução é uma das maiores agressões contra uma criança adotada, mas pode ser menos pior do que deixá-la exposta a um sofrimento contínuo, ao conviver com uma família que não a quer. Os estudiosos do assunto levantam outra questão: a família que devolve pode não ter passado por um preparo específico – ao contrário de Curitiba, em Uberlândia, não há curso para candidatos a pais. “A devolução é um dano irreversível, a criança acredita que pertence àquela família. Mesmo que ela volte a ser adotada, esse trauma vai ficar registrado. É uma retraumatização, já que não é a primeira vez que ela foi abandonada”, afirma a assistente social da Vara de Adoção de Curitiba, Salma Corrêa. Para a psicóloga e pesquisadora da Universidade Federal do Paraná Lidia Weber, forçar uma situação de convivência pode ser também prejudicial para a criança. Segundo ela, a tentativa de responsabilização do casal mineiro pode ser importante para que se reflita sobre a questão. “É importante ver se esse casal foi preparado.” Embora a devolução de crianças adotadas não seja tão incomum, não há levantamentos sobre o assunto. Mas não são apenas as crianças adotadas que sofrem a possibilidade do abandono. Pais biológicos também procuram a Justiça com a intenção de entregar o próprio filho. (TC) Marcas de uma rejeição Vivian*, 9 anos, e Lilian*, 8, têm uma história de duplo abandono. Depois de viver seis anos em um abrigo em Curitiba, foram encaminhadas para adoção internacional. Ficaram 15 dias morando com um casal americano, que as devolveu. A justificativa era de que a menor, Lilian, era “burra”. Hoje, as irmãs têm uma família adotiva e tentam deixar para trás as marcas de abandono do passado. A dona de casa Eliane*, mãe adotiva das duas meninas, diz que Vivian foi quem mais sentiu a devolução. “Eu sentia que ela tinha uma mágoa, sonhava com uma casa grande, uma vida diferente, fantasiava e culpava a irmã menor pela devolução”, lembra. Foi preciso paciência. “Eu tentei mostrar para ela que ela podia ser feliz no começo, mas não depois”, diz. Já Lilian, segundo Eliane, nunca gostou da família americana. Caso a adoção de Lilian se efetivasse, poderia ter sido prejudicial. “Ela tem uma certa dificuldade de aprendizagem e eles exigiam demais dela. Ela seria rejeitada a vida inteira”, diz. (TC) * Nomes fictícios Gazeta do Povo – 28-05-2009
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